“Procede à sexta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, e à segunda alteração à Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, que modifica os procedimentos de recrutamento, seleção e provimento nos cargos de direção superior da Administração Pública”
Questão prévia
A Proposta de Lei agora apresentada é precedida de um procedimento que tem caracterizado este Governo – o desrespeito pelas associações representativas dos trabalhadores da Administração Pública, a violação do direito de negociação e o direito à participação na elaboração da legislação do trabalho prevista na Constituição.
A Frente Comum tem vindo a colocar esta questão repetidamente e apela à Assembleia da República que não seja cúmplice na aprovação de leis que são elas próprias ofensas ao sistema jurídico uma vez que violam os seus preceitos e requisitos de legalidade.
De facto, e quanto à proposta aqui em causa, a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública foi convocada, por correio electrónico, nos termos do artigo 15º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), a 24 de Abril de 2015, para uma reunião com o Secretário de Estado da Administração Pública para negociação do anteprojecto que veio dar origem à Proposta de Lei n.º 333/XII que teria lugar a 4 de Maio de 2015, pelas15h30.
Contudo, a 30 de Abril é enviada a seguinte mensagem:
«Ex.mos(as) Senhores(as)
Encarrega-me S.E. o Secretário de Estado da Administração Pública de informar V. Exa. que,por motivos de elaboração de nova versão do diploma em apreço, a reunião previamente agendada de acordo com o e-mail infra, fica sem efeito.»
Não foi, entretanto, reagendada a dita reunião, tendo a Proposta de Lei dado entrada na Assembleia da República sem o cumprimento do direito de negociação, enfermando, pois,de inconstitucionalidade orgânica formal.
Apreciação
A presente Proposta de Lei vem estabelecer um regime de clara concentração no Governo do poder de criar lugares na Administração Pública de conveniência política, à exacta medida da força política que estiver a governar.
De facto, esta proposta pretende dar corpo de lei a uma prática censurável, não só do ponto de vista ético, mas também do ponto de vista da prestação do serviço público com o necessário respeito pelos princípios da Administração Pública, designadamente os princípios da legalidade, da transparência, da justiça e imparcialidade, da igualdade, da integridade e da boa fé.
Contrariamente ao que é afirmado pelo Governo, este reforçará as suas competências de decisão quanto aos trabalhadores a seleccionar: o Governo passará a identificar as competências do cargo a prover, a caracterizar o mandato de gestão e as principais responsabilidade e funções que lhe estão associadas, bem como a respetiva carta de missão.(artigo 18º, n.º3).
À CreSAP caberá elaborar uma proposta de perfil de competências do candidato a seleccionar (com a explicitação das qualificações académicas e experiência profissional exigíveis, bem com as competências de gestão e liderança recomendáveis para o exercício do cargo) que será remetida para o Governo, para homologação. (artigo 18º, n.º 4).
A proposta cria ainda a possibilidade de, nos 20 dias seguintes à apresentação pela CReSAP,ao membro do Governo competente para o provimento, da proposta de designação, se verificar a desistência de candidatos nela constantes, pode aquele solicitar ao júri a indicação de outros candidatos que tenha por adequados para colmatar essa desistência(artigo 19º, n.º 10), numa clara indicação nominativa do «fato mais adequado».
As demais propostas, designadamente o prazo máximo de 45 dias para finalização dos procedimentos concursais e ajustes procedimentais, revelam que, para o Governo, os cargos dirigentes da Administração Pública são os únicos relevantes. A falta de pessoal nos serviços públicos é de tal forma gritante e a resposta dada tem sido, invariavelmente, a proibição de contratação ou o recurso a formas ilegais de supressão e colmatação das necessidades permanentes, como é o caso flagrante dos Contratos Emprego Inserção que o Governo teima em «contratar».
A Frente Comum não pode aceitar um modelo de recrutamento e selecção que viola os critérios de transparência e legalidade absolutamente indispensáveis para uma Administração Pública independente, com quadros dirigentes de qualidade.
Não pode ainda aceitar o contínuo desrespeito pela Constituição, consubstanciado na emissão de diplomas legislativos, que a maioria parlamentar PSD/CDS-PP viabiliza, conscientes de que estão a emanar leis inconstitucionais e atentatórias de todo o sistema jurídico e mesmo do sistema democrático vigente.
A presente Proposta de Lei merece assim ser rejeitada por violação da Constituição da República Portuguesa e dos princípios que regem a Administração Pública e aos quais esta está vinculada.